28/08/2006

A versão de Judas

Perdido há 1700 anos, um texto refere que o traidor foi, afinal, fiel discípulo de Cristo.
O manuscrito estava em mau estado quando chegou às mãos da equipa de restauro, em 2001. No interior das suas páginas fragmentadas, encontra-se uma radical reinterpretação da traição de Jesus por Judas.
Está escrito em copta, a língua falada no Egipto nos alvores do cristianismo. Egípcio escrito em caracteres gregos.
Na introdução do Evangelho de Judas pode ler-se “Relato secreto da revelação que Jesus fez em conversa com Judas Iscariotes…”
Volvidos quase dois mil anos, o homem mais detestado da história está afinal de regresso.

O “relato secreto” mostra-nos Judas muito diferente, um herói nesta versão. Ao contrário dos outros discípulos, Judas compreende a mensagem de Cristo. Ao entregar Jesus às autoridades, ele fá-lo a pedido do líder, com plena consciência do destino que assim reservava a si mesmo. Jesus previne-o: “Serás amaldiçoado.”

Todos se recordam da história do amigo próximo de Jesus, um dos 12 apóstolos, que o vendeu por 30 dinheiros de prata, identificando-o com um beijo. Mais tarde, enlouquecido pelo remorso, Judas enforcou-se e foi considerado o símbolo definitivo da traição.
O cristianismo não seria o mesmo sem o seu traidor.


O Evangelho de Judas é um reflexo vivo do combate travado entre os gnósticos e a igreja hierárquica. Na primeira cena, Jesus troça dos discípulos por rezarem “ao vosso deus”, significando com isso o catastrófico deus responsável pela criação do mundo. Compara os discípulos a um sacerdote do templo, por si referido como “ministro do erro” que planta “árvores sem fruto, em meu nome, de maneira vergonhosa”. Jesus desafia os discípulos a olharem-no e a compreender o que ele realmente é, mas eles desviam os olhos.
Na passagem principal, Jesus diz a Judas: “Tu sacrificarás o homem que me reveste.” Judas vai matar Jesus, fazendo-lhe um favor. Ele vai finalmente ver-se livre do seu corpo material e físico, libertando o verdadeiro Cristo, o ser divino existente em si.
O facto desta tarefa ser confiada a Judas é um sinal do seu estatuto especial. “Ergue os teus olhos e repara na nuvem e na luz dentro dela e nas estrelas que o rodeiam”, diz-lhe Jesus, encorajando-o. “A estrela que aponta o caminho é a tua estrela.”
Por fim, Judas tem uma revelação, durante a qual ele entra numa “nuvem luminosa”. Em terra, as pessoas ouvem uma voz vinda da nuvem, mas o que ela diz poderá ficar para sempre desconhecido devido a um rasgão no papiro.
O Evangelho termina abruptamente com uma breve nota, relatando que Judas “recebeu algum dinheiro” e entregou Jesus ao grupo que se apresentou para detê-lo, mas este relato pode constituir uma ficção sem significado.

Segundo o Novo Testamento, Judas vendeu Jesus no jardim de Getsemani.
Mas este Evangelho afirma que Jesus pediu a Judas para o trair, para libertar a alma do seu corpo.
O Evangelho de Judas foi escondido, guardando uma visão contrária do traidor de Jesus, mas também uma visão profundamente diferente da salvação.

Excertos de um texto de Andrew Cockburn, publicado na National Geographic Magazine Portugal, Maio 2006


www.nationalgeographic.pt/revista/0506/feature5

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